Não sou de maneira nenhuma partidário de
Hitler ou das ideias que ele defendeu. Mas considerando a rara
sinceridade com que ele admitiu algumas intenções de seu projeto e a
advertência que nos vem disso, gostaria de começar esse texto citando um
de seus pensamentos ou diria confissões. Ele disse: “É mais fácil
envolver o povo numa grande mentira, do que numa pequena. Quanto maior a
mentira, mais pessoas acreditarão nela… Torne a mentira grande,
simplifique-a, continue afirmando-a, e eventualmente todos acreditarão
nela.” (MeinKampf, 185).
O mesmo espírito que inspirou Hitler a
usar esse método de propagar inverdades parece estar por detrás de
muitos boatos e enganos que surgem, especialmente, nas mídias sociais. E
o Inimigo de Deus não teria estratégia melhor, senão criar boatos
aparentemente favoráveis à Bíblia, apenas para depois desmentir tudo
como puro embuste e, na esteira das denúncias, lançar descrédito à
Palavra de Deus.
Veja que é coisa muito séria tentar
defender a Bíblia com fatos falsos. A própria idoneidade da Palavra de
Deus é posta em questionamento. Disse Jesus: “Seja, porém, o vosso
falar: Sim, sim; Não, não; porque o que passa disto é de procedência
maligna.” Mateus 5:37. É claro que há argumentos que usamos que são
hipóteses, mas ainda assim, elas têm de ser plausíveis e nunca
mentirosas. Mais doído do que ouvir um oponente defender mal a idéia que
combatemos é ouvir um aliado defender mal a ideia com a qual
simpatizamos.
O curioso é que mesmo com advertências
óbvias como estas, vira-e-mexe testemunhamos o aparecimento de matérias
sensacionalistas dizendo num momento que encontraram as rodas dos carros
de Faraó debaixo do Mar Vermelho, noutro que localizaram os restos de
Sodoma e Gomorra debaixo do Mar Morto.
E o campeão destes boatos sem fundamento
é o suposto achado da arca de Noé. Há tantos que os autores de língua
inglesa chegaram a criar um trocadilho para esses exploradores da arca
perdida. Eles ironicamente os chamam de arcaeólogos, ao invés de
arqueólogos!
Ao todo já relacionei ao relatório mais
de 40 supostos achados da arca de Noé e além de serem todos falsos ou
inconclusos, eles têm mais dois pontos em comum: primeiro que foram
todos encontrados por leigos sem nenhuma formação ou treinamento de
arqueologia e segundo, que a maioria deles convenceram muitas pessoas
apesar de apresentarem provas questionáveis e relatos contraditórios.
Só sei que se um desses relatos estiver
verdadeiro, todos os demais têm de ser falsos, por mais bem defendidos
que tenham sido. A menos, é claro, que existam várias arcas de Noé ou
que a mesma esteja ainda surfando até hoje sob as geleiras do Ararate
porque seus vestígios ora aparecem num canto, ora aparecem noutro. E
todos afirmando sem medo de errar que acharam a verdadeira arca de Noé!
Um desses últimos achados se deu há
cerca de 5 anos, mas especulações acerca do mesmo continuam bem firmes
na Internet. Afirma-se que um grupo de chineses e turcos teria
encontrado o barco milenar e até feito filmagens dentro dele. Será
verdade?
Eu mesmo ficaria muito feliz se fosse,
mas por honestidade acadêmica e cristã, sou obrigado a dizer que se
trata de mais um engano. Mais um desserviço à propagação da Palavra de
Deus.
Tive a oportunidade de trocar e-mails e
conversar pessoalmente com o Dr. Randall Price, arqueólogo americano que
num primeiro momento teve seu nome associado ao grupo. Ele não somente
negou que aquilo fosse verdade, mas ainda se disse desapontado com a
falta de sinceridade do grupo.
O Dr. Price, para que todos saibam,
chegou a fazer parte da primeira expedição dos Chineses quando esses lhe
mostraram as fotos do achado em 2008. Ele conseguiu um recurso de cem
mil dólares para o projeto, mas em pouco tempo percebeu que as
evidências apresentadas não passavam de uma fraude.
Em 2009 Dr. Price e outros especialistas
identificaram a caverna e os troncos que os chineses usaram para
produzir o seu “filme”. Na verdade eles nunca estiveram dentro da arca
de Noé!
Aliás, mesmo sem essa informação, o que
eles apresentaram já era por si só digno de ceticismo. Veja o dilúvio
ocorreu há pouco mais de 4 mil anos, logo, essas madeiras jamais
estariam em perfeito estado de conservação conforme mostra o vídeo. E
não adianta dizer que foram preservadas pelo poder de Deus, pois como
arqueólogo posso afirmar que essa não parece ser a forma de Deus agir.
Mesmo os importantes manuscritos do Mar Morto (achado importantíssimo
para comprovar a veracidade textual da Bíblia Sagrada) foram encontrados
em forma fragmentária e alguns completamente destruídos pela ação do
tempo!
Outra coisa que me chamou a atenção é
que nalguns sites o suposto achado dos Chineses é misturado com fotos de
uma estrutura de pedra em forma navicular localizada em Durupinar. Ora,
na verdade o que temos ali é outro falso achado promulgado desta vez
por Ron Wyatt um falecido anestesista do Tennessee que também vivia
“descobrindo” relíquias bíblicas – todas falsas.
Como se pode ver, alguns jornalistas nem
se deram ao trabalho de verificar que estavam divulgando dois
diferentes “achados” como se fossem a mesma “descoberta” – uma de Wyatt,
outra dos chineses. Aliás, essa estrutura de pedra de Durupinar que
Wyatt disse ter sido confirmada por muitos como sendo a arca de Noé era
na verdade uma formação rochosa comum que nem fóssil era. Vários
geólogos turcos afirmaram isso!
São por coisas assim que os que creem na
Bíblia devem ter sua atenção redobrada no momento de usar certos
argumentos na defesa da fé. Segundo Othon M. Garcia, “ainda que
cometamos um número infinito de erros, só há, na verdade, do ponto de
vista lógico, duas maneiras de errar: raciocinando mal com dados corretos ou raciocinando bem com dados falsos. (Haverá certamente uma terceira maneira de errar: raciocinando mal com dados falsos). O erro pode, portanto, resultar de um vício de forma – raciocinar mal com dados corretos – ou de matéria – raciocinar bem com dados falsos.” (Comunicação em prosa moderna.
p. 307). De qualquer forma, o cristão deve evitar esse tipo de
argumento. Paul Joseph Goebbels, ministro das Comunicações de Adolf
Hitler, dizia que “Uma mentira mil vezes repetida se torna uma verdade autenticada”. Para mim, uma mentira mil vezes repetida continua sendo uma mentira e não devemos nunca ter parte nela!
Rodrigo Silva, escritor, professor,
doutor em Teologia, doutor em arqueologia bíblica, doutorando em
arqueologia clássica e apresentador do programa Evidências.
Fonte: Site Novo Tempo.